terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Por que a empatia é momentânea?

De repente todo mês passou a ter uma cor, um significado, uma causa especial pela qual lutar. De repente o mundo ganhou voz através das redes sociais virtuais e todo mundo, de qualquer país no planeta, passou a ter o seu espaço para falar o que quiser e apoiar a causa que melhor lhe convier. 

De repente todo mundo passou a querer compartilhar hastags, muitas vezes sem nem saber como fazer isso ou o que isso significa. Todo mundo resolveu ser todo mundo com suas hastags #SomosTodos... Somos Todos Macacos, Somos Todos Maju, Somos Todos Bolsonaro, Somos Todos Um! Mas nesse meio de "todos" há muita gente escondida atrás das telas, querendo ter voz, querendo gritar suas dores. Adolescentes, jovens, adultos, pessoas de qualquer idade que usam o Facebook para mendigar atenção, para gritar socorro, para estar em um grupo seja lá do que for – até mesmo grupo de limpeza da casa, e nesse grupo postar coisas nada relacionadas ao tema em questão, mas relacionadas à sua vida pessoal. 

Essa semana, em um desses grupos que faço parte, uma mulher fez um post para interagir, acho que perguntando o que as outras queriam fazer naquela sexta-feira. Entre muitos comentários, um me chamou atenção. “Morrer.” Sim, uma pessoa postou que queria morrer. Não era grupo sobre suicídio, autoajuda, depressão... Nada disso. Era um grupo de cuidados com a casa e foi naquele espaço que aquela mulher quis gritar sua angustia. 

AS PESSOAS QUEREM FALAR das suas vidas pessoais, não exatamente suas experiências, mas também suas dores, seus lamentos. Estão sorrindo no Instagram, mas abrem o Facebook esperando que algum contato online o contate para um papo. O mundo está carente de atenção. E o próprio mundo não está vendo. O próprio mundo está fechando os olhos para isso, confundindo com MIMIMI, chamando de frescura, ou simplesmente passando os olhos sobre um post e deixando passá-lo por sua timeline sem nem mesmo uma curtida, pra dizer “ei, eu estou aqui vendo que você precisa de ajuda”. Querem ganhar CURTIDAS para tudo, mas só querem curtir coisas INTERESSANTES. Enquanto há gente gritando no silêncio virtual, enquanto há gente que só tem a tela como espaço de desabafo e descarregamento de suas lamúrias. Como diz o escritor Anderson Cavalcante, “[...] sem coragem é difícil até mesmo levantar da cama ou sair para a rua.” Para quem sofre suas neuras, clamar ajuda é um enorme ato de coragem, é ultrapassar inúmeras barreiras na mente e na alma. 

Daria um livro extenso abordar o assunto, mas prefiro ater-me à empatia momentânea que curiosamente afeta o ser humano. Um desejo incrível e maravilhoso de colocar-se no lugar do outro sempre que uma campanha social toma as redes e vira uma modinha. Ser empático virou moda. A maioria engaveta sua empatia quando a moda passa. Será que ninguém está realmente disposto a servir? Por que será que tanta gente se compadece com um #SetembroAmarelo, com um #JaneiroBranco, #NovembroAzul , #DezembroLaranja, #OutubroRosa... Mas depois que os meses passam, ninguém nem lembra mais de AGIR conforme 'prometeu' em seus posts tão melancólicos? Sociedade hipócrita ou totalmente doente? Será que é porque o mundo está tão doente que nem mais consegue ajudar um ao outro? O que está acontecendo? Em seu livro Ansiedade, o psiquiatra Augusto Cury faz uma afirmação acerca dessa sociedade enferma: 

[...] o sistema educacional clássico está doente, formando pessoas doentes para uma sociedade estressante, pois leva os alunos, da pré-escola à pós-graduação, a conhecer milhões de dados sobre o mundo em que estamos, mas quase nada sobre o mundo que somos, o planeta psíquico. 

Um mundo doente que se esconde atrás de festas, trabalho, estudo, livros, filmes, séries, novelas... E reaparece nas redes para gritar as lutas de muitas causas, abordadas nos meios de comunicação. Pessoas tão aparentemente sábias, cheias de conteúdos, mas com confusões mentais que não lhes permite articular seus argumentos e viver conforme o que digitam. Até querem ser empáticos, mas não passa da boca – ou melhor, dos dedos – pra fora.

De repente todo mundo quis assistir 13 Reasons Why e falar um pouco (BASTANTE) sobre suicídio, sobre os motivos que levaram tantas Hannahs a optarem pelo fim da própria vida. Os teclados ficaram encharcados de lágrimas que agora, passada a modinha da série, parece que tais lágrimas nunca chegaram a cair dos olhos de quem assistiu os episódios da 1ª Temporada. Parece que o mundo vive na amnésia da espera. A amnésia da espera de uma próxima temporada, uma próxima série 'tocante', a próxima polêmica da novela ou sei lá o quê. 

TUDO É POLÊMICA. Por quê? Que desejo insano e exacerbado é esse de solucionar todos os problemas do mundo com apenas os posts de rede uma rede social? Que tempos são esses de tanta discussão barata sobre quem é de direita, de esquerda, mas que ninguém está, de fato, olhando para frente ou para a pessoa ao lado? Por que ficou tão fácil GRITAR asneiras e grosserias, assim como ficou TÃO fácil comentar coisas tão belas sendo à favor de algo, de alguém ou de uma causa? 

Tudo bem! Use as redes para o que bem quiser, desde que não inflija leis e não cause danos a tua vida, valores e a moral. MAS POR QUE ser, virtualmente, aquilo que fora das telas você não é? Por que ser, em palavras, TÃO EMPÁTICO com as dores alheias, mas não FAZER NADA para mudar a vida de alguém? Para ajudar? Para exercer apenas aquilo que, no calor do momento, foi postado empaticamente? 

Você que está lendo isso agora... Quantas vezes você foi contra a homofobia nas redes sociais, mas foi homofóbico fora delas? Quantas vezes você foi à favor dos negros nas redes sociais, mas foi racista fora delas? Quantas vezes você demonstrou presença na vida dos necessitados nas redes sociais, mas foi inerte fora delas? 

Não estou te dizendo pra sair na rua com um cartaz para protestar tuas causas. Talvez o cara ou a mulher que está ali na rua fazendo isso, me entenda um pouco. Talvez não entenda nada. Talvez seja todo mundo muito idiota mesmo, inclusive EU. Quantas serão as pessoas, das que vão aos protestos, que realmente FAZEM ALGO para melhorar a vida em sociedade? Para melhorar a vida de alguém? 

Ah mas eu preciso de ajuda... E SE TODO MUNDO DEIXASSE DE AGIR POR QUE TODO MUNDO PRECISA DE AJUDA? QUEM VAI AJUDAR TODO MUNDO? QUEM LEVANTA TODO MUNDO DAS QUEDAS DA VIDA? 

Ah se a gente fosse mais empático fora das redes sociais e o ano inteiro... Se a empatia não fosse o objeto principal das campanhas publicitárias e do que a mídia nos vende...


Um texto de Aline Menezes, criadora do Blog O Quarto de Aline

2 comentários:

  1. Isso é tão real que chega a doer na alma constatar que caminhamos para um fim trágico. Mas ainda há tempo de voltar. De fazermos diferente. Trabalho com pessoas e a cada dia vejo situações onde tudo o que as pessoas querem é um pouco de atenção. Alguém que as escutem verdadeiramente e que tenham empatia diante de suas mazelas. Podemos ser melhores ouvintes, melhores mães para nossos filhos, melhores esposas e esposos, melhores vizinhos. Melhores filhos de Deus.

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  2. Mais um excelente texto, porém esperar empatia através de curtidas em posts em redes sociais é inócuo: o mais importante não é quantas pessoas curtem, mas QUEM o faz, e COMO o faz.

    Deixo um poema de Paulo Leminski, sugestivamente intitulado "contranarciso", como reflexão do dia:

    "em mim
    eu vejo o outro
    e outro
    e outro
    enfim dezenas
    trens passando
    vagões cheios de gente
    centenas

    o outro
    que há em mim
    é você
    você
    e você

    assim como
    eu estou em você
    eu estou nele
    em nós
    e só quando
    estamos em nós
    estamos em paz
    mesmo que estejamos a sós"

    [Marcel K.]

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